CARTA POEMA PARA JOÃO CABRAL DE MELO NETO
“Saio de meu poema como quem lava as mãos.”
João Cabral de Melo Neto
Um dia, João, ainda moço
fui beber da fonte de seus
versos
contidos, matemáticos,
racionais
montados pedra sobre pedra
de sua precisa engenharia.
pela pedra. Não obstante, João,
ainda restou comigo a emoção
da poesia esparramada
em sol, em luas, mares
exclamativos,
praias cheias de espumas...
de tardes brancas como o ar.
Mas me
contenho quando o pássaro
aparece em minha janela
e não sei mais o nome desse
pássaro
que é só plumas e voo.
Mas é
um pássaro, objeto concreto
da poesia, como também é objeto
da poesia, a janela que se abre
para o infinito.
que um poeta sozinho não tece a
manhã.
Por isso chamei os poetas sem
nome
nos jornais, anônimos, mas que
aos milhares
anunciam nas madrugadas seus
gritos
de galos para uma humanidade
que já não sei dizer o nome:
Se bomba, ou flor.
que o pássaro é tão mineral
como o pássaro que tento
segurar na folha branca.
Assim como é mineral,
não somente a flor que brota
nos jardins, nos asfaltos,
mas também é mineral a flor
clara, perfumada, transparente
que permanece na folha branca
onde o poeta escreve.
até a lâmina que corta nossa
carne
a terrível lâmina do tempo
que corta a flor e o pássaro,
seca os rios, o Capibaribe,
transformando toda beleza em
fezes.
a beleza é tão mineral
que saio de meu poema
com as mãos ensanguentadas
de poesia. E não lavo
minhas mãos.
que a eternidade é toda
mineral.
Aqui continuamos vivendo
nossa vida severina.
Antonio Ventura
Autor de O
catador de palavras
Maravilhoso! Sintetizou de forma mineral, ácida, petrificada a obra de um poeta SINGULAR, se deu ao extremo para deixar a nós severinos, a certeza de que não há melhor resposta do que a vida que se deixa explodida, a DELE, está explodida nos versos que fluem como rio, espesso...
ResponderExcluirParabéns, Menalton!